Pássaros, frutas frescas e muito verde – bem-vindo à Parelheiros!

Parelheiros está localizada na periferia de São Paulo. Um projeto modelo mostra como o turismo sustentável pode ter sucesso no local.

É o chilrear dos pássaros? Ou será o cheiro fresco das árvores, em cujas folhas o vento faz sons que se misturam com o chilrear? Ou será simplesmente o verde ao redor? Aqui, a vida quotidiana abranda subitamente, tudo parece mais leve, mesmo que esta floresta não esteja na Amazônia, mas na maior cidade da América do Sul: São Paulo.

Esta cidade é também chamada a “selva de pedra”, os prédios são tão altos como em Nova Iorque, a vida noturna tão agitada como em Berlim e a pobreza tão visível como em Detroit. A cidade brasileira de 12 milhões de habitantes é também o lar de uma joia secreta: 40 quilômetros ao sul do centro da cidade encontra-se um pedaço de floresta tropical protegida, onde o projeto “Acolhendo em Parelheiros” vendo sendo desenvolvido há três anos. O projeto foi iniciado pelo Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (IBEAC) e pretende ser um projeto modelo para o que o turismo moderno pode alcançar quando pensado do ponto de vista dos residentes.

Vera Lion, socióloga de 71 anos e uma das coordenadoras do IBEAC, ficou surpreendida com a beleza desta região. “Mal posso acreditar”, diz ela, “que pelo menos no mapa ainda estou na grande cidade”. Ela explica que esta é uma das zonas mais pobres da cidade, mas agora os turistas vêm aqui para mais do que apenas tirar fotografias e comprar lembranças. Eles participam na vida dos agricultores, aprendem como funciona a agricultura orgânica e colhem os produtos que mais tarde utilizam para cozinhar o almoço. “É um entendimento diferente do que o turismo pode e deve ser”, diz Vera Lion. “Muitas escolas organizam excursões de campo para aprender com os habitantes e os seus conhecimentos tradicionais em Parelheiros”.

Foram os imigrantes alemães, entre todos os povos, que estabeleceram o primeiro cemitério protestante do Brasil aqui, neste local, em 1840. A casa do coveiro é agora uma biblioteca comunitária e sede do IBEAC, na qual projetos como o Acolhendo em Parelheiros tomam vida. Os residentes envolvidos com o projeto tomam todas as decisões e trocam conhecimento entre si e com outros projetos semelhantes. Uma parceria com a iniciativa Acolhendo na Colônia, que reúne cerca de 200 famílias de agricultores em Santa Catarina e que foi desenvolvido segundo um modelo francês, foi enriquecedora para o projeto de Parelheiros.

Thaise Guzzatti, co-fundadora do Acolhendo na Colônia, quer evitar que o turismo destrua aquilo que quer mostrar. “Temos de proceder com cautela e aumentar lentamente o número de turistas primeiro”. É a única forma de sustentabilidade funcionar. “Idealmente, estes turistas apreciam o que experimentam e querem preservar a experiência para que outros possam desfrutá-la”.

A pandemia atingiu duramente o projeto em Parelheiros. Até o momento, 530.000 brasileiros perderam as suas vidas para o Covid-19. De um dia para o outro, o número de turistas caiu para zero. O plano era desenvolver o projeto de modo a crescer lentamente nos próximos cinco anos. Como qualquer outro negócio, o pessoal da Parelheiros percebeu que o seu trabalho estava subitamente perdendo valor. O turismo chegou a um impasse em todo o mundo. No meio da pior crise sanitária e política que o Brasil já conheceu, a comunidade aproveitou o tempo e seguiu trabalhando no conceito do projeto.

Um parceiro estratégico e que se voltou cada vez mais para o projeto foi a Universidade de São Paulo. Professores, estudantes e doutorandos visitaram as famílias de agricultores antes da pandemia e, ao longo das restrições, elaboraram planos de trabalho sobre como tornar o turismo ainda melhor após o fim da pandemia. Durante a crise, os parceiros e forças locais trabalharam em conjunto e desenvolveram um projeto muito especial que provavelmente não teria existido sem a pandemia. Sob o selo “do campo à mesa”, eles deram às pessoas do centro da cidade a oportunidade de conhecer Parelheiros via internet. A experiência turística foi digital, mas aqueles que se envolveram acabaram com uma cesta de produtos orgânicos entregue em suas casas – incluindo uma receita para preparar o jantar para quatro pessoas.

Embora o Acolhendo em Parelheiros seja um projeto relativamente novo, ele já tem um alto perfil entre os especialistas em turismo sustentável. Thiago Allis, professor da Universidade de São Paulo, vê nisso um sinal de que o turismo vai mudar em grandes cidades como São Paulo ou Berlim. “Até agora, as cidades excluíam uma grande parte de seus residentes de desfrutar de sua cidade como turistas”. Mas o turismo sustentável acaba beneficiando também os residentes das grandes metrópoles – na medida em que o turismo não está mais limitado a apenas alguns hotspots. “Afinal de contas, a cidade tem mais a oferecer do que a Avenida Paulista em São Paulo ou o Portão de Brandenburgo em Berlim”.

Primeiro de tudo: lugares como Parelheiros são vitais para São Paulo. 30% do abastecimento de água vem desta parte da cidade. À medida que a indústria do turismo se recupera lentamente da pandemia, exemplos como estes são certamente um sinal de esperança para uma indústria que está começando a reconhecer cada vez mais seus impactos climáticos. Casos como estes não devem ser vistos como nicho ou exemplos isolados, mas como oportunidades para reinventar o turismo.

Para Thiago Allis da Universidade de São Paulo, é importante incluir processos urbanos no turismo, os locais que fazem de uma cidade o que ela é. “A cidade é feita de coisas materiais, mas também de pessoas”, diz ele, acrescentando: “Talvez acima de todas as pessoas”. Talvez se tenha de questionar a ideia de turismo, diz ele. “Só porque lugares como Parelheiros estão na periferia da cidade, não significa que sejam menos relevantes para os turistas”.

Allis diz que esta é uma boa oportunidade para “mudar a maneira como vivemos e interpretamos as cidades e, portanto, a maneira como fazemos turismo”. Desde as histórias, cultura e conhecimento da comunidade até os alimentos orgânicos preparados com produtos locais, “Acolhendo em Parelheiros” tem o potencial de compartilhar uma experiência profunda com seus visitantes, que levam para casa mais do que uma selfie em frente a um edifício famoso. Ao escaparem da agitação do centro da cidade, aqui os turistas estão no meio da natureza, olhando rios, árvores e escutando pássaros. E sim, eles ainda estão em São Paulo.

Texto e Tradução de Fabio Fornari

Para acessar o artigo publicado originalmente no jornal alemão Berliner Zeitung, clique aqui.


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